domingo, maio 06, 2012

Dia anti-DRM.

Sexta-feira, dia 4, foi o dia internacional contra o DRM, sigla para Digital Rights Management e que refere a tecnologia que controla o uso de ficheiros para proteger os conteúdos de acordo com os direitos de quem os vendeu. Doublespeak no seu melhor. Por um lado porque não é preciso restrições de cópia, partilha ou leitura para proteger informação digital. Pelo contrário. A melhor forma de a proteger é fazendo cópias de segurança e distribuindo essas cópias. Por outro lado, os direitos do autor não incluem direitos de propriedade sobre o equipamento dos outros. Se copiarem este post, é justo que refiram o autor. O que não é justo é o autor deste post ditar como, quando e para que fins os leitores podem usar os seus computadores, mesmo que seja para copiar este post. Portanto, o DRM, apesar do nome e do que dizem, não tem nada que ver com protecção de conteúdos nem com direitos.

É também um conceito inconsistente. O conteúdo digital é uma representação numérica de algo como músicas, filmes, imagens ou texto e, para o cliente poder usufruir desse conteúdo, precisa de poder descodificar essa representação. Ou seja, além da mensagem codificada, é preciso dar também a chave para a descodificar para que o cliente tenha acesso à mensagem. O DRM é o exercício fútil, contraditório e criptograficamente ridículo de tentar ocultar a mensagem depois desta ser descodificada. É como tentar escrever um livro de forma a que se possa ler facilmente mas que não se consiga ler em voz alta ou descrever que letras tem.

A justificação mais comum do DRM, que é combater a pirataria, é outra treta. Qualquer sistema de DRM é fácil de contornar, coisa que os “piratas” rapidamente fazem, e o DRM acaba por ser um incentivo forte à pirataria porque a versão pirateada é melhor. Não exige contorcionismos de validação e licenciamento, funciona em vários suportes, permite fazer cópias de arquivo e o que mais se quiser. O verdadeiro propósito do DRM é maximizar o rendimento extraído àqueles clientes que, por falta de conhecimento, por fidelidade ou por uma noção enganada de honestidade decidem submeter-se aos caprichos da empresa a quem pagam pelo conteúdo. Várias vezes.

Por estas razões desagrada-me o DRM, o que contribui para não ter iTretas, não comprar DVD, preferir software livre e assim por diante. No entanto, não me considero anti-DRM. Isto porque, por muito estúpido que seja, reconheço a qualquer um o direito de disponibilizar os seus ficheiros como quiser. Se me desse na cabeça, podia distribuir este post num ficheiro encriptado e só dar a password a quem saltasse à corda com amendoins enfiados nas narinas. Seria uma parvoíce, mas teria todo o direito de o fazer. Porque só saltava quem quisesse.

O que sou contra é haver legislação para punir «a neutralização de qualquer medida eficaz de carácter tecnológico» (1). Porque o meu direito de distribuir esta informação como me der na gana não se pode sobrepor ao direito dos outros usarem o seu equipamento e partilharem a informação que têm como quiserem. Ou seja, o problema não é haver empresas que incluem medidas tecnológicas de restrição nos ficheiros que vendem. O problema é apenas haver uma lei que proíbe que se altere essa sequência de 0s e 1s para outra que seja mais conveniente.

É claro que, tecnologicamente, o DRM é algo tão ridículo que, sem a lei, rapidamente desaparecia. Mas isso seria apenas a cereja em cima do bolo.

International Day Against DRM

1- (Gedipe) LEI 50/2004, de 24 Agosto (pdf).

3 comentários:

  1. Não te esqueças de que code is not law — muitos dos comportamentos sociais não podem ser impostos meramente pela aplicação da tecnologia. O argumento de que «a tecnologia não permite que X seja implementado, por isso X não pode ser autorizado» é uma falácia. Peguemos num exemplo estúpido: podia ser obrigatório que toda a gente tivesse fechaduras nas portas de suas casas, para prevenir o roubo. Se as fechaduras fossem 100% eficazes, não era preciso legislar sobre assaltos a casas. Mas — usando o argumento de que a tecnologia não permite X — como sabemos, as fechaduras não são 100% eficazes. Logo, vamos despenalizar e descriminalizar o roubo, porque as pessoas «não têm culpa» de que as fechaduras não possam ser 100% seguras, logo, é injusto e imoral que as pessoas sejam presas (imposição social quando a imposição tecnológica falha).

    Vais-me dizer que isto é um strawman argument porque nada tem a ver com DRM. Tem. É que embora ambos concordemos que o conteúdo dentro de uma casa é propriedade privada, e como tal deve ser protegido — tanto pelo próprio, que coloca fechaduras na porta, como pela sociedade, que persegue aqueles que contornam as fechaduras para terem acesso ilegítimo à propriedade privada — tu não concordas que o fruto do trabalho de um autor seja propriedade privada do mesmo e sujeita aos mesmos direitos e mesmas leis. Enquanto que eu não vejo qualquer diferença (ética...) entre propriedade de bens atómicos ou intelectuais.

    «Proteger» legalmente o DRM é tão «estúpido» como proteger o direito às pessoas de terem fechaduras em casa que podem ser facilmente arrombadas. Como nenhum destes mecanismos garante a 100% que a propriedade privada não é violada, temos leis para assegurarem isso.

    O que podes é voltar aos teus velhos argumentos de que a propriedade intelectual é uma estupidez (nos termos actuais) porque, pela sua natureza, é «diferente» da propriedade de bens materiais, e, como tal, deveria ser legislada de forma diferente. É uma opinião — partilhada pela esmagadora maioria das pessoas, que não são produzem propriedade intelectual como fruto do seu trabalho, assim como partilhada também por uma pequena minoria que, tendo acesso a outras fontes de rendimento, podem dar-se ao luxo de encarar a «propriedade intelectual» como um acto de generosidade que fazem a bem da comunidade mundial.

    Mas isto é outra discussão :)

    ResponderEliminar
  2. «É que embora ambos concordemos que o conteúdo dentro de uma casa é propriedade privada, e como tal deve ser protegido — tanto pelo próprio, que coloca fechaduras na porta, como pela sociedade, que persegue aqueles que contornam as fechaduras para terem acesso ilegítimo à propriedade privada — tu não concordas que o fruto do trabalho de um autor seja propriedade privada do mesmo e sujeita aos mesmos direitos e mesmas leis.»

    Concordo. A propriedade privada do autor deve ser sujeita aos mesmos direitos e mesmas leis.

    Por exemplo, se eu compro uma lata de spray e pinto um desenho na parede da minha sala, é tudo propriedade privada minha. Mas se uso a tua lata de spray para pintar um desenho na parede da tua sala, eu não fico dono da tua casa, da tua parede ou da tua lata por isso.

    Da mesma forma, se eu uso o meu computador e monitor para representar este texto, isto é tudo propriedade privada minha. Mas quando tu o estiveres a ler, estás a ler no teu computador e no teu monitor. Esses são propriedade privada tua, e eu não tenho direitos de propriedade sobre esses objectos.

    A lei que protege o DRM não é o equivalente à lei proteger o meu direito de ter a minha fechadura para trancar a minha porta em minha casa. É o equivalente a dar-me o direito de decidir quando e em que circunstâncias tu podes abrir a tua fechadura da tua porta em tua casa. E isso é fundamentalmente diferente.

    Quanto à “propriedade intelectual”, pode ser outra conversa. À partida, não vejo como é que ser autor deste texto me pode dar direitos de propriedade sobre os pensamentos dos outros ou a forma como se exprimem. Isso é mais censura do que propriedade. Mas nem é preciso ir por aí. Basta partir do princípio que coisas como o copyright e o DRM têm de respeitar os direitos de propriedade sobre bens materiais para concluir que não é legítimo haver uma lei que me dá a mim direitos sobre os bens materiais que são propriedade tua, como o teu computador, o teu modem, etc, só porque eu implemento DRM no software que escrevo ou só porque escrevo um texto para tu leres.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, o teu argumento é válido, porque parte do princípio que para reproduzir a propriedade intelectual de uma pessoa é necessário fornecer-lhe instrumentos *meus* para que o possa reproduzir. Concordo que isto é um problema nesta sociedade digital.

      Essa é, aliás, a razão pela qual os americanos, em todos os termos de serviço dos principais "sites" sociais, insistem em que lhes transferimos toda a propriedade intelectual para eles. É que se não os fizéssemos, eles não poderiam mostrar a terceiros as fotos que fizemos upload, justamente por causa do problema que apontaste. Mas ao "exigir" que lhes passemos todos os direitos, ficamos nós sem nenhuns. Cria-se um novo problema (mas não para os donos dos sites, claro).

      Também é a razão pela qual a Amazon prefere vender eBooks via Kindle: é que nesse caso não é o "teu" computador que é usado para ler um eBook, mas sim o computador que a Amazon te forneceu (mas mesmo assim podia-se alegar que esse computador só funciona com a "tua" energia, pelo que ainda terias alguns argumentos).

      Por isso, concluo que neste aspecto tens razão e que há diferenças. Como era tudo tão simples no século XIX :-)

      Eliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.