terça-feira, maio 10, 2016

Pirataria e censura digital.

No próximo dia 16, participarei numa audição pública sobre a prática de bloquear sites em defesa de alegados direitos de autor. O evento é organizado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda e será na Casa Amarela da AR às 15:00 (1). Superficialmente, o problema é claro. A Internet é uma rede de redes locais, como as que temos em casa, com vários computadores partilhando um router. Um site é um conjunto de páginas num servidor, numa rede local que, por sua vez, é ligada ao resto da Internet por um Internet Service Provider (ISP). Em muitos países, existem mecanismos legais para bloquear sites que violem alguma lei. Contacta-se o ISP responsável pela ligação desse site à Internet e, mediante justificação legal adequada, o ISP corta o acesso.

Infelizmente para associações como o MAPINET, o procedimento legal para bloquear um site por violação de direitos exclusivos de distribuição tem de ser iniciado pelos detentores desses direitos. Além disso, o processo não garante o deferimento imediato das pretensões do queixoso. Admite contraditório, exige provas e essa tralha toda que para nós é justiça mas que, para a “industria cultural”, é uma chatice. Como o MAPINET não detém os direitos relevantes e nem é claro que seja mesmo ilegal aquilo que acusam de o ser, precisam de um processo alternativo para impedir que alguém vá ao tugaanimado.net procurar uma ligação para o musical do Panda e os Caricas, um ilícito considerado tão grave quanto «ultrapassar os 120 Km/H quando se vê o sinal de limite de velocidade na estrada»(2). Por isso, em vez requererem o bloqueio junto dos ISP dos sites visados, engendraram com os nossos ISP uma marosca para nos impedir de os encontrar. Como se pode constatar usando outro servidor de DNS que não o fornecido pelos nossos ISP, os sites não estão bloqueados. A nossa ligação é que foi sabotada.

Este é o problema mais óbvio. Não pode ser legítimo sabotar a ligação à Internet a milhões de pessoas, que nem sequer foram acusadas de um ilícito, só para contornar o procedimento legalmente estabelecido para bloquear sites que realmente violem a lei. Mas este é também o problema mais superficial. O problema fundamental é menos óbvio e é deliberadamente obscurecido pela propaganda de organizações como o MAPINET.

Quando este sistema legal de monopólios* tomou a sua forma moderna, há pouco mais de um século, o seu propósito era regular a cópia comercial. Isto foi verdade até às fotocopiadoras, cassetes e gravadores de vídeo. Nos anos 70, a Universal processou a Sony por vender gravadores de vídeo que permitiam às pessoas gravar programas de televisão e vê-los sempre que quisessem (3). A Universal alegou que, como permitiam violar o seu copyright sobre os programas, a Sony devia ser proibida de vender esses aparelhos. Há dois aspectos a salientar neste caso. Primeiro, a Universal não processou as pessoas por fazerem cópias. Seria consensualmente absurdo mover acções judiciais por violação de copyright contra cidadãos privados que gravassem cassetes em casa. Por isso, a Universal processou a Sony. A exploração comercial dos gravadores é que era relevante. Em segundo lugar, o tribunal decidiu que a cópia privada era legal. Era uma excepção justa ao monopólio que se pretendia regular o comércio e não actos do foro pessoal. Havia um limite claro para estes monopólios.

A partir daí, a estratégia mudou. Por um lado, a legislação sobre esta matéria passou a ser decidida por lobbies e burocratas e imposta, em boa parte, por via de tratados internacionais negociados à porta fechada. Por outro lado, investiram milhões na propaganda que apresenta os monopólios comerciais sobre a cópia como sendo “direitos de autor” ou “direitos de propriedade intelectual”. Ou seja, algo que abrange tudo e não apenas a exploração comercial de cópias.

Desta estratégia resultaram aberrações como estes bloqueios ou a protecção legal de medidas tecnológicas de “gestão de direitos”, ou DRM. É crime contornar qualquer medida tecnológica que restrinja o nosso uso daquilo que é nosso. Seja uma consola que só deixa ler certos DVD, um programa que só funciona se estivermos ligados ao servidor da empresa ou até um candeeiro que só acende se a lâmpada for da marca certa(4). Esta lei viola os nossos direitos de propriedade e é uma lei que ninguém nos perguntou se queríamos. Não corrige qualquer problema social nem foi debatida pelos mais afectados. Foi alinhavada por alguns lobbies, transcrita para tratados comerciais e imposta a centenas de milhões pessoas que nem sabiam o que aí vinha (5). Isto não é democracia. É golpe. E, como isto, grande parte do resto da legislação que se aplica no domínio digital, desde a proibição de copiar números até à censura das telecomunicações.

A pirataria é um problema grave. Mas os piratas originais não copiavam músicas, não partilhavam filmes nem faziam downloads. Ganhavam dinheiro pela força, coagindo e ameaçando as suas vítimas sem qualquer respeito pelos seus direitos ou pela sua propriedade. É exactamente isso que fazem agora estas empresas e organizações que querem prender quem usa o que é seu, criminalizar a partilha de informação e censurar o acesso à Internet. Como têm a lei do seu lado, por muito injusta que seja, tecnicamente são corsários e não piratas. Mas a diferença é meramente formal.

* Chamar-lhe “direitos de autor” é parte do truque. O autor tem muitos direitos. Tem o direito de aprender, de criar e de decidir se publica as suas obras ou se as mantém privadas, por exemplo. O que está em causa aqui é apenas a legitimidade de restringir aquilo que outros fazem com o que é deles.

1- Mais detalhes aqui: Pirataria e Censura Digital.
2- Mais sobre este e outros disparates em Treta da semana (atrasada)*: conduta errónea.
3- Wikipedia, Sony Corp. of America v. Universal City Studios, Inc.
4- TechDirt, Light Bulb DRM: Philips Locks Purchasers Out Of Third-Party Bulbs With Firmware Update
5- A história de como estas leis são feitas dava para mais uma data de posts. Por agora, deixo apenas uma referência: Bill D. Herman, A political history of DRM and related copyright debates, 1987-2012

15 comentários:

  1. Não fiz grande reflexão sobre os problemas apontados, mas, para não esquecer uns pensamentos que me ocorrem, arriscando ser superficial e estar fora do contexto, é mau, é péssimo, é odioso, é inadmissível, é intolerável, que a internet esteja nas mãos dos poderosos, sejam eles quem forem, autores, piratas, militares, juízes, políticos, governos, religiosos, propagandistas...
    Já me horroriza e revolta suficientemente o facto de pagar uma máquina aparafusada de modo que eu não seja senhor de lhe mexer para a consertar ou, simplesmente, observar.
    Isto da internet não é para brincadeiras. Nunca estivemos tanto em risco face aos poderes. E eu sou visceralmente otimista.

    ResponderEliminar
  2. Haverá gravação da audição ou qualquer coisa parecida?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim... Sempre gostaria de ver o Ludwig a colocar no torrentz.

      Eliminar
    2. SIM HÁ GRAVAÇÃO, É NECESSÁRIO MAIS UM CHATO NO CANAL PAR LAMENTO

      Eliminar
  3. Várias vezes temos dito que num artigo científico é sempre importante distinguir os factos realmente observados aqui e agora no terreno das especulações não observáveis nem comprováveis feitas com base nesses factos.

    Apliquemos esse método a um artigo científico sobre geologia.

    Os factos observados:

    New work from a team including Carnegie's Hanika Rizo and Richard Carlson, as well as Richard Walker from the University of Maryland, has found material in rock formations...

    A especulação não observada nem observada:

    ...that dates back to shortly after Earth formed. The discovery will help scientists understand the processes that shaped our planet's formative period and its internal dynamics over the last 4.5 billion years.

    A surpresa dos cientistas:

    "The survival of this material would not be expected given the degree to which plate tectonics has mixed and homogenized the planet's interior over the past 4.5 billion years, so these findings are a wonderful surprise"

    Só se surpreende com estes dados quem parte de uma suposição errada acerca da história e da idade da Terra.

    Importa salientar que a idade de uma coisa só se pode saber quando se pode saber quando é que ela surgiu e quanto tempo passou desde então. Ora, ninguém, a não ser Deus, sabe quando é que a Terra surgiu e como é que ela surgiu.

    No caso do material encontrado nas rochas, é importante lembrar que ele foi encontrado no presente por cientistas do presente, que dataram esse material com base nas suas premissas indemonstráveis sobre o passado distante (i.e. assumindo a constância dos processos hoje observados) formuladas no presente e insusceptíveis de confirmação.

    A tentativa de datar a Terra com base em processos geológicos observáveis no presente por cientistas do presente é fútil, porque não se pode saber se os processos observados no presente se mantiveram constantes ao longo da história da Terra.

    Além disso, os cientistas sabem muito menos do que se pensa sobre os processos geológicos observados hoje, quanto mais sobre os processos ocorridos num passado que nunca observaram nem podem observar.

    Os próprios cientistas compreendem hoje, diante de novas evidências sobre a presença de oxigénio na Terra que a história acerca dos supostos 4,5, mil milhões de anos desde a sua origem, que acriticamente alguns vão repetindo aos incautos, é uma história interessante mas não passa de uma história, havendo ainda muito por descobrir sobre a verdadeira história da Terra.

    Como os cientistas dizem:

    "It’s a great story, and scientists have been telling it for decades, but tiny fossilized space pebbles from Australia may upend it entirely, giving us a new narrative about Earth’s adolescence."


    Conclusão, tanto os materiais encontrados na rocha como a evidência de oxigénio encontrada no registo fóssil são surpresas para quem parte da extrema antiguidade da Terra.

    Mas ambos adequam-se bem a um Terra recente criada intencionalmente para abrigar vida também ela criada intencionalmente.

    E a a vida também é cheia de surpresas, mas isso é uma outra história.

    O que eles dizem:

    "this organism has evolved beyond the known limits that biologists circumscribed,"

    O problema, também aqui, é que os biólogos partem de premissas erradas sobre a suposta evolução.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Criacionista,

      A divisão entre "ciência observacional" e "ciência histórica" não existe!
      Já por várias vezes e de diversas formas, foi-lhe mostrado o erro que consiste tal divisão.
      Sinceramente, não sei porque persiste nessa mentira.

      Eliminar
    2. Só um ignorante pode fazer uma afirmação dessas. Essa distinção foi afirmada há muito pelo biólogo evolucionista alemão Ernst Mayr. Já começa a cansar discutir com ignorantes...

      Eliminar
    3. Bactérias "evoluem" para... bactérias! (What else?)

      Eliminar
    4. Um novo estudo sobre a resistência das bactérias a antibióticos mostra que as mesmas ou sobrevivem ou morrem, mas nunca se transformam noutro género diferente e mais complexo.

      O que os cientistas dizem:

      "At lower antibiotic concentrations, the bacterial population can survive in this oscillating pattern indefinitely, but at higher drug concentrations, the oscillations destabilize the population, and it eventually collapses."

      O mesmo sucede com os seres humanos quando confrontados com a poluição...



      Eliminar
    5. "Só um ignorante pode fazer uma afirmação dessas. Essa distinção foi afirmada há muito pelo biólogo evolucionista alemão Ernst Mayr. Já começa a cansar discutir com ignorantes..."

      Pelo que sei, sim eu posso ser ignorante, mas tento aprender, Mayr disse que existem observações e inferências na Biologia, nada de Ciências observacionais e históricas. Mais uma vez, o que temos é um abuso de citações e de termos. A sua frustração não é com supostos ignorantes, mas sim, com a sua falha em admitir as suas limitações bem como da sua forma de pensar, ancorada em livros da idade do bronze. A moralidade criacionista passa pelos vistos pela ofensa directa... Lá se foi a superioridade da moral religiosa.

      Eliminar
    6. Este comentário foi removido pelo autor.

      Eliminar
    7. "Bactérias "evoluem" para... bactérias! (What else?)"

      Eu sei que começo a ser repetitivo, mas enumere lá um único artigo ou estudo onde algum biólogo defenda que a evolução diz o contrário. Fico à espera!

      Eliminar
    8. "Bactérias "evoluem" para... bactérias! (What else?)"

      Eu sei que começo a ser repetitivo, mas enumere lá um único artigo ou estudo onde algum biólogo defenda que a evolução diz o contrário. Fico à espera!

      Eliminar
  4. Quando debatem com os criacionistas, os evolucionistas apresentam como prova da evolução a seleção natural, por sinal um conceito que Charles Darwin copiou do criacionista Edward Blyth.

    A verdade é que a seleção natural não é posta em causa por nenhum criacionista.

    Os criacionistas apenas dizem que a seleção natural elimina informação genética pré-existente, não criando estruturas e funções novas e mais complexas.

    Felizmente (ou infelizmente para eles) os próprios evolucionistas começam a observar que a seleção natural diminui a diversidade genética das espécies, não podendo transformar peixes em pescadores ou borboletas em jardineiros.

    O que os cientistas observam sobre as borboletas:

    "As the adaptation is passed down through the generations as a result of natural selection, this collection of linked genetic sites can be passed on intact, removing genetic variation that previously existed in the population at these sites. This effectively limits the overall amount of variation in the butterfly population."


    A seleção natural existe, a evolução não. A seleção natural é evidência da corrupção e do decaimento de que a Bíblia fala em Génesis 3.


    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.