quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Treta da semana (atrasada): igualdade à força.

Isabel Moreira defende que não basta a «autorregulação no que toca à igualdade de género», pelo que considera uma boa notícia a «proposta de lei que estabelece o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das empresas do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa» (1). Além de descurar a variância – nem uma representação equilibrada em média implica uma representação equilibrada em todos os casos particulares – o fundamento desta lei está minado de erros de raciocínio, quer acerca dos valores quer acerca dos factos. O resultado será a pior forma de discriminação sexual, que é a discriminação sexual imposta pelo Estado.

Quando se discutia a legalização do casamento homossexual, alguns oponentes alegavam que só permitir o casamento entre um homem e uma mulher não era discriminatório por se tratar de um homem e de uma mulher. O argumento era obviamente inválido. Garantir 50% de quota para cada sexo não resolve o problema de se impedir alguém de casar com quem ama só por ser do mesmo sexo. A proposta que Moreira defende comete este erro. Qualquer sistema de quotas irá impedir algumas pessoas de aceder a certos cargos apenas por terem o sexo que têm. Isto é que será discriminatório e menos legítimo que qualquer percentagem resultante de opções individuais.

Além deste erro moral, a imposição de quotas em função do sexo assenta também num erro acerca dos factos: assumir gratuitamente que a diferença na representatividade implica discriminação. Um exemplo deste erro é o site “Mulher Não Entra” (2), fundado por um grupo de cidadãos «chocados com esta discriminação diária e repetitiva na sociedade no âmbito mediático, no âmbito académico e no âmbito empresarial»(3). Apesar desta motivação, não é plausível que os casos seleccionados no site sejam maioritariamente exemplo de discriminação. No momento em que escrevo isto, o primeiro exemplo é o da Federação Portuguesa de Natação por ter 26 homens e 5 mulheres nos corpos sociais. Além de ser irresponsável insinuar que a FPN impede mulheres de entrar nos corpos sociais, o que seria ilegal, é muito mais plausível que a desproporção surja por opção do que por imposição. O campeonato nacional masculino precisa de duas divisões enquanto que o feminino só tem uma (4), sugerindo que, tal como na maioria dos desportos, também a natação interessa mais aos homens do que às mulheres. Em geral, esta explicação é mais plausível do que a hipótese da discriminação. Como muitos dados sugerem.

Tal como para os homens, impedir as mulheres de fazerem o que querem exige coerção violenta. Para impedir mulheres de votar, tirar cursos superiores, exercer profissões, conduzir, gerir o seu património ou decidir com quem casam é preciso polícia, cacetada e barbaridades afins. E assim que se elimina essa coerção, as mulheres votam, tiram cursos superiores, conduzem e fazem o que querem como os homens. É pouco realista, e até injusto, assumir que as mulheres são tão frágeis que basta uma vaga pressão social para lhes vedar o acesso a cargos de direcção. Qualquer coerção eficaz seria facilmente identificável e não apenas presumida na estatística.

Sabemos também o que acontece quando se força a paridade de sexos onde ela não surge espontaneamente na ausência de impedimentos eficazes. No Jornal Económico, Safaa Dib diz-se «Frustrada porque foi preciso impor no Parlamento a Lei da Paridade para forçar as mulheres a ter um lugar à mesa e, ainda assim, é uma luta para preencher as listas e respeitar as quotas»(5). Como manda o feminismo moderno, Dib não pode admitir que isto seja porque as mulheres não querem. A culpa tem de ser de algum machismo, mesmo invisível. Mas esta hipótese é demasiado rebuscada. Se as mulheres dizem que não querem, é mais correcto assumir que não querem do que assumir que querem mas estão enganadas.

Finalmente, há diferenças biológicas entre homens e mulheres, herança de 150 milhões de anos em que gestação e amamentação ficaram exclusivamente a cargo das fêmeas. Se bem que atrair parceiros e ter filhos não seja tudo na vida, é motivação importante para muita gente e ser rico ou famoso como o Donald Trump e o Mick Jagger traz vantagens aos homens que não traz às mulheres. Além disso, cada Trump, e cada Jagger, deixa vários homens no fim do pelotão sem possibilidade de constituir família. O resultado é que a pressão para competir por dinheiro e poder afecta muito mais os homens do que as mulheres. O custo de dedicar os anos de mais vigor a esta competição também é menor para os homens, que sacrificam menos por adiar a reprodução. É isto que motiva mais os homens a arriscar e competir, uma diferença que não se revela apenas na representatividade em cargos de direcção. Os criminosos violentos são quase todos homens, a maioria das vítimas de crimes violentos e acidentes mortais também e até nos suicídios a grande maioria é do sexo masculino (6). Os extremos são dominados por homens, para quem ganhar traz mais benefício e perder mais prejuízo do que às mulheres. Não por machismo ou convenções arbitrárias mas porque homens e mulheres são mesmo diferentes.

Devemos lutar contra a discriminação ilegítima. Especialmente, se vier do Estado. Mas a discriminação está no que restringe as opções dos indivíduos. Não está nas estatísticas nem podemos assumir que todas as diferenças se devem à discriminação. Há até boas razões para crer que homens e mulheres não têm exactamente as mesmas prioridades e preferências. Por isso, o combate à discriminação deve consistir na eliminação de mecanismos coercivos discriminatórios que possamos identificar. Não se combate a discriminação criando leis discriminatórias como Moreira defende que se faça.

1- Isabel Moreira, Há prémios e prémios – não chega
2- mulhernaoentra.tumblr.com
3- Observador, Mulher Não Entra, uma ideia feminista de… homens
4- FPN, Calendário Nacional 2016-2017
5- Safaa Dib, O lugar da mulher também é na política
6- Sociedade Portuguesa de Suicidologia, Taxas de suicídio por 100.000 habitantes – PORTUGAL

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